País cristão ou país laico?

A recente polêmica sobre os decretos de fechamento temporário de templos religiosos, em que felizmente prevaleceu o bom senso, dá a dimensão do quão realmente laico é o estado brasileiro.

Como se sabe, a Proclamação da República, em 1889, marcou não só o fim da monarquia como também a separação entre Igreja Católica e estado brasileiro – até então, o catolicismo era a religião oficial do Brasil, com sérias implicações políticas em cujo mérito não vou entrar aqui. Só quero lembrar que o estado laico, isto é, que não privilegia nenhuma religião e dá ao cidadão a liberdade de consciência, credo e expressão, é uma conquista da modernidade que devemos aos filósofos iluministas do século XVIII.

Embora a ideia de que todos têm direito a escolher a crença religiosa (que implica o direito de não escolher nenhuma), como, de resto, o direito de escolher a tendência política, os governantes e parlamentares, o time de futebol preferido, etc., nos pareça óbvia hoje em dia, ela tem pouco mais de duzentos anos e só foi posta em prática efetivamente há pouco mais de cem anos. Por isso, a maioria dos países ocidentais, que vivem o chamado estado de direito, ainda não assimilaram totalmente esse princípio. O Brasil, que em matéria de estado de direito ainda está engatinhando, revela isso quando a legislação oficial prevê uma série de feriados religiosos católicos, mas não contempla as datas sagradas de outras religiões. Certa vez tive, por conta própria, de dispensar da aula uma aluna judia numa data comemorativa da sua religião que, obviamente, não estava prevista no calendário escolar da universidade.

Como, evidentemente, o calendário oficial não pode contemplar todas as datas sagradas de todas as religiões, até porque existem centenas de religiões no mundo e pelos menos várias dezenas delas no Brasil, o mais lógico numa república que se diz laica seria que apenas as datas cívicas fossem feriados. Muitos alegam que o Brasil é um país católico, daí comemorarmos até o dia da Padroeira do Brasil. Isso não é verdade: o Brasil é um país cujo povo é predominantemente, mas não totalmente católico. Portanto, católica é uma parcela da população, não o povo como um todo, menos ainda o estado.

Mas o que quero ressaltar aqui é o chauvinismo católico enrustido na nossa própria língua. Os defensores do politicamente correto, que vivem caçando as bruxas da intolerância racial, sexual, social, etc., ainda não atentaram para o fato de que expressões como “Nosso Senhor” ou “Nossa Senhora” embutem uma reverência a Jesus e a Maria que só cabe aos cristãos fervorosos. Num estado laico, o dia de Nossa Senhora Aparecida não deveria ser feriado pela razão acima exposta, bem como órgãos oficiais e meios de comunicação não vinculados à Igreja deveriam substituir “Nosso Senhor” e “Nossa Senhora” pelas denominações mais neutras “Jesus Cristo” e “Maria”, da mesma forma como deveriam evitar chamar o papa de Sua Santidade, a menos que dispensassem o mesmo tratamento (o que não costuma ocorrer) ao patriarca de Constantinopla, ao dalai-lama, e assim por diante. Aliás, tampouco tenho ouvido a mídia se referir à rainha da Inglaterra como “Sua Majestade” ou ao recém-falecido duque de Edimburgo como “Sua Alteza Real”.

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