Poesia, arte maior ou atividade marginal?

Ao longo da História, a poesia sempre foi considerada “a grande Arte”. Tanto que a palavra grega poíesis (criação, composição), da qual provém “poesia”, era o termo utilizado pelos gregos para designar a arte em geral (a palavra tékhne era reservada às artes manuais, como a escultura e a ourivesaria). Essa distinção se dava porque os gregos consideravam que um pintor ou escultor eram meros reprodutores servis da realidade, e que um quadro ou estátua, portanto, não passavam de cópias de objetos ou figuras humanas que qualquer artífice bem treinado seria capaz de fazer. Já a verdadeira criação do espírito estava na poesia e na música, que exigiam gênio para ser compostas. Aliás, a música e a poesia sempre conviveram na Antiguidade, tanto que o símbolo grego da poesia é um instrumento musical, a lira. Tal como na música popular de hoje, os poemas eram cantados e não recitados.

A facilidade em decorar versos foi fator determinante para o triunfo da poesia, a ponto de a maioria dos livros antigos, mesmo aqueles com finalidades práticas ou religiosas, como os Vedas indianos, ter sido escrita em versos. Numa época em que a transmissão do conhecimento era oral, a versificação facilitava muito as coisas. E entoar os versos, seguindo uma melodia, facilitava ainda mais.

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Foram os grandes poemas, as epopeias, os textos fundadores de línguas e nacionalidades. Foi assim com o Gilgamesh na Mesopotâmia, a Ilíada e a Odisseia na Grécia, a Eneida em Roma, o Mahabharata na Índia, além, é claro, do nosso épico Os Lusíadas, marco da língua portuguesa.

Até meados do século passado, a poesia figurava entre as grandes artes, e os poetas eram tidos em alta conta na sociedade (Bandeira, Drummond, João Cabral, Cecília Meireles são reverenciados até hoje). Muitos movimentos estéticos, como o Romantismo e o Modernismo, nasceram na poesia e só depois se espraiaram aos outros campos artísticos.

No entanto, a partir das décadas de 1950 e 1960, a “grande arte” entrou em decadência. As vendas de livros de poemas caíram, as editoras passaram a publicar menos (a não ser os grandes clássicos e, mesmo assim, visando sobretudo ao mercado didático), e grandes poetas, como Vinicius de Moraes, migraram para a música popular ou a publicidade.

Por sinal, no caso brasileiro, a MPB tem sido o grande refúgio dos poetas: e aí que, a meu ver, se encontram hoje os melhores textos em versos. É este também o melhor ganha-pão dos fazedores de versos; afinal, ser letrista de composições de sucesso pode render muito dinheiro em direitos autorais.

Não à toa, Chico Buarque, que nunca publicou um livro de poemas, já foi considerado o maior poeta brasileiro – em que pese a velha polêmica sobre se letra de canção é poema ou não.

Nos anos 1970 e 1980, a poesia já dava claros sinais de ter descido aos infernos da marginalidade com a chamada “geração mimeógrafo”. Tratava-se de poetas que imprimiam seus escritos no velho mimeógrafo (para quem não sabe ou não se lembra, é um aparelho que faz cópias de um texto manuscrito ou datilografado utilizando álcool) e saíam pelos bares e eventos culturais vendendo seu trabalho de mão em mão. Os mais abonados chegavam a imprimir seus livros em gráficas, às vezes com ótimo acabamento. Quem viveu essa época deve se lembrar de como às vezes eram inconvenientes esses poetas, interrompendo a conversa de casais de namorados para ofertar um livro (alguns até dedicavam certo poema ao amor do casal).

De lá para cá, o advento da internet fez migrar os poetas-camelôs para os blogs, meio muito mais eficiente e econômico de divulgar poemas. Mesmo assim, o alcance de um texto poético na rede é bem pequeno se comparado a blogs de moda, tecnologia, esportes, notícias, etc.

O que hoje se nota é que a poesia, outrora rainha das artes, mudou-se de mala e cuia para a periferia das cidades, e é um fenômeno que anima sobretudo as classes mais baixas. Na onda do hip-hop, grande parte dos atuais poetas de periferia são rappers, que novamente unem a música à palavra para dar seu recado. Um recado que fala em geral de coisas pouco poéticas, como crime e violência policial.

Se no século XIX saraus literários eram eventos da elite, regados a chá e quitutes finos, hoje o sarau ocorre em bares e salões paroquiais, e poetas e espectadores se confundem; neles, há participação de artistas amadores, donas de casa, estudantes, aposentados…

Não que o fenômeno seja desprezível. Embora longe dos holofotes da mídia ou do interesse dos críticos acadêmicos, esse movimento poético marginal envolve um grande número de pessoas, muitos livros fabricados artesanalmente têm sua tiragem esgotada na venda direta do autor ao leitor, e muitos desses poetas são verdadeiras celebridades em seu meio. Só que a qualidade dessa produção também é bastante irregular: poetas de qualidade declamam ao lado de senhoras que versejam por passatempo ou adolescentes que dedicam suas criações um tanto infantis ao ser amado.

Como os livros são produzidos sob encomenda do próprio autor – e por ele financiados –, não há um critério de seleção por qualidade ou viabilidade comercial como ocorre nas editoras. E tais obras, desconhecidas da maioria da sociedade, jamais entrarão para o cânone literário, jamais serão estudadas nas aulas de literatura, jamais entrarão para a História.

A poesia resiste, seja nas letras de canções, seja nos blogs e nos saraus de periferia, mas é triste constatar que essa arte, que fundou a literatura, que é a mais antiga forma de manifestação artística do homem e que define povos e culturas, hoje vive na marginalidade. Enquanto músicos, artistas plásticos, atores, cineastas, performers e mesmo escritores de prosa mais comercial ganham dinheiro e fama com sua arte, os poetas se misturam e se confundem com a pobreza e a violência do lado esquecido (“excluído” é moda dizer hoje em dia) da cidade e da sociedade.

“Eu irei” ou “eu vou ir”: como se faz o futuro do presente do indicativo?

Eu gostaria de saber qual a diferença entre “Eu irei” e “Eu vou ir” para indicação do Futuro do Presente do Indicativo? Pesquisei sobre o assunto em alguns livros de Gramática, mas não achei nada de esclarecedor.

Helton Anderson

 

Caro Helton, assim como a maioria das línguas europeias, o português tem duas formas de indicar o tempo futuro do indicativo: uma sintética (que outros idiomas chamam de “futuro distante”) e uma analítica (ou “futuro próximo”). A forma sintética, que é também a mais formal, corresponde ao tempo simples “farei”, “direi”, “amarei”, “correrei”, “dormirei”, etc. Já a forma analítica é composta pelo presente do indicativo do verbo “ir” seguido do infinitivo do verbo principal: “vou fazer”, “vou dizer”, etc.

A diferença de uso entre essas duas formas verbais diz respeito, em tese, ao grau de certeza da ação a ser praticada: enquanto “Um dia terei bastante dinheiro e então viajarei pelo mundo” expressa uma ação futura relativamente distante no tempo e não totalmente certa, “Vou enviar este documento agora mesmo” ou “Amanhã vou chegar um pouco mais tarde” são ações bem próximas no tempo (“agora mesmo”, “amanhã”) e sobre as quais tenho uma forte certeza. É o mesmo raciocínio que disciplina, por exemplo, a distinção de uso entre os dois futuros do inglês, o futuro com will (Someday I will do this, “Um dia farei isso”) e o futuro com going to (I am going to answer your message soon, “Vou responder à sua mensagem em breve”).

É bem verdade que o português brasileiro falado praticamente abandonou o futuro sintético e o substituiu em praticamente todos os casos pelo analítico (“Um dia vou ter muito dinheiro e aí vou viajar pelo mundo”), mas, no registro culto, ainda se deve fazer a distinção entre um futuro próximo e certo e um futuro distante e provável/possível.

Nos exemplos que você dá, “eu irei” é o futuro sintético, e “eu vou ir” é o analítico. Ocorre que alguns gramáticos hostilizam a construção “eu vou ir” por achá-la redundante, já que há repetição do verbo “ir”, e por isso preferem simplesmente “eu vou”. Todavia, outros tantos gramáticos não veem problema algum na construção “eu vou ir”, já que “vou” é verbo auxiliar (indicativo de tempo futuro) e está no presente, ao passo que “ir” é o verbo principal (indicativo da ação) e está no infinitivo. Ou seja, em cada uma das ocorrências, o verbo “ir” tem uma função diferente, e elas estão bem demarcadas.

O português brasileiro também acabou consagrando uma terceira forma de futuro, usada às vezes no discurso formal como equivalente ao futuro sintético, mas que deve ser evitada tanto quanto possível. Trata-se de “irei fazer”, “irei dizer”, etc., que, no caso do seu exemplo, daria o horrível “eu irei ir”. Essa construção, com o auxiliar “ir” no futuro, é mais prolixa que simplesmente “eu farei, direi”, etc., e nada acrescenta em termos de nuance semântica. Trata-se de um mero preciosismo que algumas pessoas empregam supondo estar-se expressando bem. Ledo engano!

” No meio de uma crise política sem precedentes no Brasil contemporâneo, a nova novela das 23h da Rede Globo, ‘Liberdade, Liberdade’, de Mario Teixeira, faz um oportuno resgate histórico do nosso período colonial, propiciando ao público um maior entendimento acerca dos muitos vícios que se perpetuaram na nação. “

Foto: Pedro Carrilho/Gshow A frase célebre do poeta romano Virgílio “Liberdade ainda que tardia”, mostrada na primeira imagem da nova novela das 23h da Rede Globo “Liberdade, Libe…

Fonte: ” No meio de uma crise política sem precedentes no Brasil contemporâneo, a nova novela das 23h da Rede Globo, ‘Liberdade, Liberdade’, de Mario Teixeira, faz um oportuno resgate histórico do nosso período colonial, propiciando ao público um maior entendimento acerca dos muitos vícios que se perpetuaram na nação. “