Viva a linguística brasileira! Mas qual linguística?

Neste último Dia do Trabalho, o linguista Marcos Bagno não perdeu a oportunidade de atacar aqueles que elegeu como inimigos: os gramáticos normativos, os elaboradores de concursos públicos e, de modo geral, todos aqueles que prezam uma linguagem elegante, culta, bem elaborada e bem redigida. Ele publicou a seguinte mensagem no Facebook:

De fato, os linguistas brasileiros, a quem ele se refere como “as e os linguistas”, instituindo o artigo definido não seguido de nome, têm realizado um grande trabalho de descrição da língua portuguesa falada no Brasil — que o próprio Bagno advoga não ser mais língua portuguesa e sim língua brasileira, donde temos aqui sua primeira contradição. E têm elaborado compêndios de descrição dessa língua que podem, sim, ser chamados de gramáticas. Mas aqui é preciso fazer um alerta: há dois tipos básicos de gramáticas. Primeiramente, as descritivas, de objetivo fundamentalmente científico, que descrevem a língua tal como ela é efetivamente usada num dado momento de sua história pelos falantes e escreventes, e que pode focalizar um determinado estrato social (o linguajar culto, popular, iletrado), vários ou todos. Em segundo lugar, as normativas, com finalidade essencialmente pedagógica, que recomendam os melhores usos para a escrita formal com base no exemplo dos mais respeitados e competentes prosadores contemporâneos da língua, literários e não literários (isto é, acadêmicos, jurídicos, jornalísticos, etc.).

O que os linguistas normalmente produzem são gramáticas descritivas, que não servem como guias para o ensino da norma-padrão nem são pensadas para esse fim; seu uso deve ser restrito à própria pesquisa científica, logo são gramáticas feitas por linguistas para linguistas.

Por sinal, a Gramática pedagógica de Marcos Bagno, embora seja descritiva — e nessa descrição contenha diversos erros teóricos e metodológicos —, pretende, como diz o título, ser pedagógica. Noutras palavras, Bagno propõe que se ensine os estudantes a escrever textos cultos e formais num linguajar que é um misto de língua escrita e falada, e de nível formal e informal. Ou seja, sua própria gramática não é um bom exemplo do esplêndido trabalho de descrição da língua portuguesa do Brasil feito pelos linguistas profissionais. Quanto às “mentiras” difundidas por esses linguistas, a própria gramática de Bagno é um imenso repositório delas. Na verdade, a maioria dos linguistas profissionais brasileiros é séria, responsável, intelectualmente honesta e sabe aplicar corretamente o método científico, não falsificando ou manipulando dados nem apresentando conclusões que não possam ser deduzidas desses dados. As “mentiras”, no caso, se devem a meia dúzia de maus linguistas, incluindo o próprio Bagno, que misturam ciência com política e usam do trabalho científico para exercer sua militância. Essas “mentiras”, bem como inúmeras contradições e incoerências, vêm sendo apontadas uma por uma — inclusive as presentes nos escritos de Bagno — de forma absolutamente fundamentada e estão disponíveis na mesma internet que ele usa para atacar seus desafetos. Somando-se isso à enorme e secular produção gramatical de cunho normativo da língua portuguesa, há um cabedal de conhecimentos mais do que “minimamente comparável a tudo isso”.

Quanto aos concursos públicos, concordo com ele que haja pessoas (não necessariamente uma máfia) que lucram com esse processo: professores, cursinhos, autores de livros didáticos, sem falar nos próprios elaboradores e examinadores das provas desses concursos. Mas o problema (a praga tipicamente nacional) são os concursos em si e não os profissionais que veem neles uma oportunidade de prestar serviços. Já critiquei em outras oportunidades essa instituição brasileira do “concurso público”, uma prova de múltipla escolha que não avalia a real competência do candidato, não leva em consideração seu currículo e experiência profissionais e é simplesmente a porta de entrada para um emprego estável e geralmente remunerado muito acima da média do mercado, no qual o aprovado vai muitas vezes “encostar seu corpo” pelo resto da vida às custas do dinheiro do contribuinte.

O grande problema das provas de língua portuguesa desses concursos é que os elaboradores e examinadores se apegam a uma visão estreita do que seja o normativamente correto, atendo-se às vezes a uma única gramática e reprovando construções abonadas por outras gramáticas que não aquela tomada como referência. Como resultado, não é rara a judicialização dos gabaritos dessas provas.

Quanto às e aos linguistas profissionais do Brasil, estão de parabéns todos aqueles que fazem ciência de verdade, com seriedade e responsabilidade, sem viés político-partidário. Nesse sentido, faço coro à exaltação de Marcos Bagno: viva a linguística brasileira! Mas a linguística verdadeira, não esse arremedo de linguística feito por ele e seus asseclas.

2 comentários sobre “Viva a linguística brasileira! Mas qual linguística?

Deixe uma resposta