Enfim vão começar os Jogos Paralímpicos, que outrora se chamavam Jogos Paraolímpicos. Me lembro que, quando acompanhava pela televisão os jogos de Londres em 2012, estranhei locutores e apresentadores pronunciarem paralímpico e Paralimpíadas em lugar de paraolímpico e Paraolimpíadas. Eu mesmo tive, num primeiro momento, a impressão de que o repórter havia cometido um lapsus linguae. Mas, logo a seguir, quando outros jornalistas insistiram nessas pronúncias, me dei conta de que algo havia mudado na língua portuguesa.
Mas por que paralímpico? A explicação é que o Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB) decidira trocar de nome para acompanhar a tendência mundial. De fato, comitês de outros países já usavam havia algum tempo essa forma sem a vogal o. Essa inovação surgiu, como sempre, no âmbito da língua inglesa, na qual paraolympic e paralympic têm a mesma pronúncia (tanto a quanto ao soam como o nosso â). Por isso mesmo, os falantes do inglês devem ter achado a grafia paralympic mais adequada, por estar mais próxima da pronúncia. E nosso comitê embarcou na onda, dando um prazo de 18 meses para que as entidades filiadas a ele fizessem a alteração ortográfica.
O problema é que, na ocasião, o CPB tomou essa decisão sem consultar quem de direito: os estudiosos da língua. Um parecer encomendado em 2008 pelo comitê desportivo português à linguista Margarita Correia afirmava ser mais consentâneo com a estrutura da língua portuguesa que o termo mantivesse a vogal inicial o da palavra olímpico. De fato, se paraolímpico resulta da junção do prefixo de origem grega para‑ com o adjetivo igualmente grego olímpico, por que suprimir uma vogal que afinal pertence ao radical da palavra? Contração mais lógica é parolímpico, que, aliás, seria a forma da palavra se tivesse sido cunhada na Grécia antiga. (Em caso de contração, o grego clássico mutilava o prefixo, nunca o radical; por exemplo, para‑ + onomásia = paronomásia.) Esse princípio é o mesmo que deu hidrelétrico a partir de hidro‑ mais elétrico ou psicanálise de psico‑ e análise, por exemplo. A realidade é que o parecer da linguista lusitana foi solenemente ignorado.
À época, tudo levava a crer que, com a decisão burocrática do CPB e o aval da imprensa, dentro de algum tempo paraolímpico e Paraolimpíada deixariam de existir, o que de fato ocorreu. Tanto que já na logomarca dos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro de 2016, foi essa a grafia oficialmente utilizada. E agora em Tóquio, estamos novamente pronunciando e escrevendo algo que de um ponto de vista estrutural não faz sentido. Fazer o quê? A língua evolui…