Hoje reproduzo um artigo magistral do meu amigo, o gramático, linguista e professor Fernando Pestana, que desmascara a falsa ciência que vem sendo feita por certos colegas linguistas em nome de uma pauta ideológica, que desvirtua métodos, falsifica dados, ignora fatos para fazer triunfar dentro das universidades uma agenda política. Eis o artigo.
Há três frases — atribuídas aos escritores Millôr Fernandes, Anaïn Nis e Bertolt Brecht — que me marcaram profundamente:
1. Jamais diga uma mentira que não possa provar. (MF)
2. A origem da mentira está na imagem idealizada que temos de nós próprios e que desejamos impor aos outros. (AN)
3. Quem conhece a verdade e a chama de mentira é um criminoso. (BB)
No artigo do linguista Marcos Bagno intitulado “Norma linguística, hibridismo e tradução” (2012), lê-se o seguinte:
Aqueles que, por outro lado, usam a expressão “norma culta” como um conceito, como um termo técnico, agem exatamente ao contrário: primeiro investigam a atividade linguística dos falantes em suas interações sociais, para depois dizer o que é essa atividade, por meio de instrumental teórico consistente. Com base nessa investigação e nessa análise é que os linguistas podem AFIRMAR, por exemplo, que o PRONOME ‘CUJO’ DESAPARECEU DA LÍNGUA FALADA NO BRASIL, inclusive da língua falada pelos BRASILEIROS CLASSIFICADOS DE CULTOS; que o FUTURO SIMPLES DO INDICATIVO (eu cantarei) também SOBREVIVE APENAS na escrita mais formal… (p. 24; grifos meus)
Sim. Foi exatamente isso que você leu. Em outras palavras, frases como “Moramos num país CUJA população é pouco letrada” e “Só INICIAREI a palestra daqui a pouco” só sobreviveriam na escrita mais formal do brasileiro culto, e não em sua fala. Será?
[Mas o que é um brasileiro culto? De acordo com a opinião de muitos linguistas brasileiros influentes, os falantes CULTOS são “definidos por dois critérios de base: escolaridade superior completa e antecedentes biográfico-culturais urbanos” (Bagno, 2012:24). Basta preencher esses dois critérios e, num passe de mágica, você se torna uma pessoa culta.]
Segundo esse linguista, sem apresentar nenhuma fonte comprobatória, as pesquisas científicas do português brasileiro falado comprovam que o pronome relativo “cujo” DESAPARECEU (puf!) na fala dos brasileiros (inclusive cultos); além disso, de acordo com Bagno, os brasileiros cultos NEM SEQUER usam na sua fala as formas verbais simples de futuro do presente do indicativo.
Note que o estudioso generaliza, pondo no mesmo balaio todos os cientistas, como se a sua palavra fosse a batida do martelo em nome da ciência, a respeito desse pleno sumiço do pronome “cujo” e do “futuro simples” da fala dos brasileiros: “Com base nessa investigação e nessa análise é que OS LINGUISTAS podem afirmar…”. Olha o maroto artigo definido aí.
Ora, é verdade que todos os linguistas pensam assim? Espero que se manifestem os linguistas que me leem.
Será que os brasileiros cultos realmente não usam mais o “cujo” e as formas verbais no futuro do presente simples em sua fala? Aguardo os comentários de vocês, leitores brasileiros.
Será que esses dois fatos linguísticos estão mortos e enterrados na fala do brasileiro, conforme ensinado por Bagno e outros que com ele concordam?
Ainda que se defenda a ideia de que o pronome relativo “cujo” não faz parte da gramática internalizada do falante contemporâneo (em geral), faz parte da gramática adjacente. Afinal, nem todas as formas linguísticas são internalizadas, e sim adquiridas no ambiente escolar e/ou a partir do letramento eficiente — e que bom! É desse modo que nos valemos de novas formas da língua, como certas conjugações verbais, certos empregos e colocações pronominais, certas regências, certas concordâncias, etc. para podermos transmitir, de modo mais pleno e diversificado possível, os nossos pensamentos. Logo, tais formas adjacentemente naturais existem, do contrário não seriam produtos humanos de ordem linguístico-cultural.
Diremos, então, que essas formas adquiridas e produzidas por meio do contato com a norma culta INEXISTEM na fala do brasileiro? Não faz o menor sentido.
O fato de umas serem, na fala de brasileiros cultos, mais (ou menos) frequentemente usadas do que outras não as torna necessariamente arcaísmos ou fósseis linguísticos, como obviamente é o caso destes sepultados anacronismos (na fala): a apossínclise, o haver existencial antecedido de sujeito, muitas formas da 2ª pessoa do plural, certas locuções verbais, certas regências, certos gêneros de substantivos, certas formas verbais abundantes, certas contrações pronominais, etc.
Importante: nossa religião, como cientistas da linguagem, deve ser a busca pela verdade para que ela nos liberte das mentiras. Para isso, é preciso HONESTIDADE INTELECTUAL. Não diga amém a tudo que você lê no ambiente acadêmico. Faça o que deve ser feito: conteste, questione, busque os fatos e o rigor do método, sempre!
Foi o que fiz. Convidei 10 alunos meus (professores de Português) para analisarmos a linguagem falada pelos brasileiros — sobretudo os considerados “cultos” — durante todo o mês de janeiro de 2024: foram 31 dias ouvindo brasileiros falando, a fim de rastrear esses únicos dois fatos linguísticos ditos inexistentes (!) da norma brasileira falada.
Pois bem… Chegou a hora. Eis a metodologia usada e os resultados:
1. Abrimos o YouTube.
2. Assistimos aos vídeos de canais, programas, podcasts, debates e afins cujos convidados são, segundo os critérios atuais dentro da Linguística brasileira, cidadãos brasileiros enquadrados como cultos — jornalistas, políticos, comentaristas políticos, professores, juristas, teólogos, linguistas, filósofos, historiadores, empresários…
3. Procedemos à pesquisa durante todos os dias do mês de janeiro. Os vídeos foram quase todos desses últimos anos, sobretudo de 2023. Tomamos o cuidado de não repetir os vídeos analisados; no entanto, caso tenha havido alguma repetição, não foi intencional.
4. Observamos, com calma e atenção, a fala espontânea dessas pessoas, nas situações mais formais de comunicação, em geral. Importante: só buscamos avaliar o discurso falado delas; portanto, citações de terceiros e leituras de texto escrito não foram computadas em nossa pesquisa — caso tenha havido algum equívoco pontual nesse sentido, não foi intencional.
5. Foram anotadas todas as ocorrências das duas estruturas gramaticais ditas inexistentes no português brasileiro (o pronome relativo “cujo” e as formas verbais simples do “futuro do presente do indicativo”), neste esquema:
a) o link do vídeo;
b) o nome do canal;
c) a data;
d) o título do vídeo;
e) o nome completo de cada indivíduo e sua profissão (alvo das anotações); e
f) a minutagem exata de cada ocorrência das duas estruturas gramaticais a ser analisadas.
6. Como resultado, chegamos (I) ao seguinte número de horas analisadas, (II) ao grupo de falantes diferentes (considerados “cultos”, segundo os critérios atuais) e (III) à quantidade de ocorrências do futuro do presente simples e do pronome relativo “cujo”:
I. 134 horas, 29 minutos e 6 segundos;
II. 103 falantes diferentes;
III. Futuro do presente simples: 251 ocorrências; pronome relativo “cujo”: 16 ocorrências.
[Importante: aos 45 do segundo tempo, no apagar das luzes, um amigo me indicou um site que rastreia o uso de palavras e expressões faladas em vídeos no Youtube. Como encontramos poucas ocorrências do pronome relativo “cujo” nessa peneira tradicional durante 31 dias de investigação, o que já seria suficiente para derrubar a falsa narrativa de que esse pronome não existe mais na fala do brasileiro, como advoga Marcos Bagno no já citado artigo, decidi sozinho ir atrás dos dados de fala nesse site. Resultado: o “cujo” (e suas flexões) foi empregado CENTENAS de vezes. Eis o site, já com o link engatilhado, para você conferir com os seus próprios olhos e ouvidos: https://pt.youglish.com/pronounce/Cujo/portuguese]
Resumo da ópera: será que “os linguistas podem afirmar, por exemplo, que o pronome ‘cujo’ desapareceu da língua falada no Brasil, inclusive da língua falada pelos brasileiros classificados de cultos; que o futuro simples do indicativo (eu cantarei) também sobrevive apenas na escrita mais formal”, como assevera o linguista Marcos Bagno?
Os dados mostram que a afirmação dele está comprovadamente EQUIVOCADA e, por isso, em respeito à ciência da linguagem, deve ser ignorada — afinal, tanto o “cujo” quanto o “futuro do presente simples” existem inequivocamente na norma linguística brasileira.
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Agora faça um exercício imaginativo intelectualmente honesto: já pensou se essa mesma pesquisa (realizada tão somente em 31 dias) fosse realizada durante longos 365 dias? Pois é… Os dados seriam MUITO maiores do que os demonstrados em nossa investigação, o que corroboraria ainda mais a existência das duas formas linguísticas no português brasileiro falado.
Encerro com um antigo provérbio judaico: “A punição do mentiroso é não se crer nele”.
Por isso, convido você a duvidar dos fatos acima. Faça você mesmo a sua pesquisa. Comprove se os dados da nossa investigação são verdadeiros ou falsos. Em ciência, não se pode ter compromisso com a fraude. Desse modo, busque a verdade e o rigor do método, porque fatos não se importam com opiniões.
Só assim é que se deve fazer Ciência.