Por que os estúpidos sempre ganham a discussão?

Você já notou que, enquanto os sábios sempre têm muitas dúvidas, as pessoas estúpidas são sempre cheias de certezas e se comportam como donas da verdade? Elas geralmente falam em tom professoral e por vezes têm uma atitude arrogante, de quem acha que estúpidos são os outros — especialmente os que discordam delas.

Livros e palestras de autoajuda são em geral um amontoado de bobagens, mas outro dia assisti a um vídeo em que um coach dividiu os saberes em quatro categorias: as coisas que sabemos que sabemos, as coisas que sabemos que não sabemos, as coisas que não sabemos que sabemos e as coisas que não sabemos que não sabemos.

Em seu livro A ilha do conhecimento, o físico brasileiro Marcelo Gleiser compara metaforicamente nosso saber a uma ilha cercada pelo oceano da ignorância. Quanto mais pesquisamos e aprendemos, maior fica a área dessa ilha. Mas, conforme a ilha se expande em superfície, também cresce o comprimento de sua orla. Em outras palavras, quanto mais sabemos, mais nos damos conta do quanto ainda falta saber. Quanto mais conhecimento acumulamos, mais dúvidas e perguntas temos sobre o que não conhecemos. A postura do sábio é exatamente esta: o que sei é pouco, o que ignoro é muito. Ou, como disse Sócrates, “só sei que nada sei”. Embora pareça um paradoxo, a frase do filósofo grego mostra que ter a consciência de nada saber já é um saber. Portanto, quem nada sabe, mas sabe que não sabe, sabe alguma coisa.

O problema dos imbecis é que sua “ilha do conhecimento” é tão pequena, em alguns casos tão resumida a um único pontinho no oceano, que o litoral de ignorância dessa ilha também é ínfimo. E, das quatro categorias de saberes acima mencionadas, os idiotas só conhecem as duas primeiras: as coisas que eles sabem que sabem e as coisas que eles sabem que não sabem. Mas eles não têm consciência das coisas que não sabem que sabem e menos ainda das coisas que não sabem que não sabem.

Um Zé Ruela qualquer pode ter grande competência no seu ofício braçal (por exemplo, assentar tijolos) e até dar aula sobre isso: é o que ele sabe que sabe. Pode também ter ciência de que não sabe falar inglês, pois já viu muitos gringos falando “aquela língua das estranjas”. Mas provavelmente ele não sabe que talvez saiba cozinhar, isto é, que tenha aptidão para a culinária, simplesmente porque nunca experimentou fazer comida. Por fim, em sua pouca cultura letrada, ele não sabe que não sabe nada sobre política, economia, física, astronomia, cosmologia, literatura, filosofia… O problema é que ele, erradamente, classifica as coisas que não sabe que ignora na categoria das coisas que sabe que sabe. Passa então, dentro de seu estreitíssimo horizonte,  a discutir política e economia como um doutor no assunto. Sua única leitura é a Bíblia, mas como, para ele, ali está a palavra de Deus, não há necessidade de ler mais nada, pois todas as respostas ali estão, da origem do Universo, da origem e do propósito da vida, do certo e do errado, do moral e do imoral, da morte e da vida após a morte, da superioridade do ser humano sobre todas as outras criaturas, do seu direito de fazer do planeta o que quiser (porque não é o dono do mundo, mas é filho do dono), e assim por diante. Ele pensa que sabe quem escreveu esse livro, mas não sabe quem realmente o escreveu nem por que razões nem em que circunstâncias. E zomba de quem pensa diferente dele: sabe de nada, inocente!

O imbecil é manipulado o tempo todo pelo marketing, pelos políticos e pelos líderes religiosos, mas tem certeza de que sabe quem é o melhor nome para ocupar a prefeitura, o governo estadual, a presidência da república. E briga com quem vote em outro candidato. Ele é a massa de manobra perfeita nas mãos dos espertalhões, que enriquecem à custa dele, mas ele é quem se acha o grande espertalhão. E isso se confirma cada vez que discute com alguém mais instruído que ele, afinal, nessas discussões, ele sempre “lacra”, sempre dá a última palavra. Mas o que ele não sabe que não sabe é que o interlocutor mais escolado, mais bem informado e dotado de maior senso crítico, mais próximo, portanto, do patamar de sabedoria, vendo a pobreza espiritual do estúpido, conclui que é inútil continuar a debater com ele e encerra a conversa, deixando que o cretino pense que venceu a argumentação. E, assim, de discussão em discussão, o energúmeno vai se sentindo cada vez mais sábio, cada vez mais autoconfiante em sua sapiência. Só que não.

Por isso, se você costuma discutir temas complexos sem ser especialista e em geral vence a discussão, fique atento: os grandes idiotas são grandes idiotas exatamente porque não sabem que são idiotas.

5 comentários sobre “Por que os estúpidos sempre ganham a discussão?

  1. Professor, eu, sinceramente, não sei de onde você tirou essa ideia de que alguém que acredita na Bíblia, se acha filho do dono do mundo, e assim fazer dele o que quiser. Sinceramente, o senhor caiu justamente naquilo que está criticando. Quanta ironia, não?

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    1. Caro Ângelo, acho que foi você que não entendeu o que eu escrevi. Eu não disse que pessoas que acreditam na Bíblia se acham donas do mundo; minha crítica é contra pessoas muito ignorantes, cuja única leitura é a Bíblia, e que, por isso mesmo, tendem a ter uma visão fundamentalista e, portanto, pouco ou nada crítica em relação à realidade.
      Quanto a se achar filho do dono do mundo, há uma igreja evangélica, não sei qual, que distribui adesivos para automóveis com esses dizeres, e vejo muitos carros portando esse adesivo, especialmente carros velhos, cujos donos obviamente têm poucas posses e, com certeza, pouca cultura.
      Finalmente, a ideologia religiosa judaico-cristã se baseia no dogma de que o deus Javé criou o homem à sua imagem e semelhança e que, portanto, o ser humano é o centro da Criação, a própria razão de ser de Deus ter criado o mundo. É bem verdade, como mostro no vídeo “Quem traduziu a Bíblia para o português?” (https://www.youtube.com/watch?v=0FUXjBmJHOU&t=13s), que houve um erro de tradução do hebraico que induz os fiéis a pensar que é papel do ser humano “dominar” o planeta (a tradução correta seria “cuidar”).
      Enfim, ironias à parte, aconselho você a prestar mais atenção ao que lê para não interpretar errado.

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