Os direitos sagrados dos trabalhadores

Vocês lembram da presidAntA Dilma Rousseff, a “mulher sapiens”, inventora do dilmês, língua na qual é possível estocar vento, dobrar uma meta sem saber qual é, aquela em que o Sol é inútil porque brilha durante o dia quando tudo está claro?

Pois é, num certo pronunciamento no Dia Internacional da Mulher, abafado na ocasião por um dos muitos panelaços, a mulher que saudou a mandioca comprometeu-se a não tocar nos “direitos sagrados dos trabalhadores”, ao mesmo tempo em que defendeu mudanças nas regras de acesso a benefícios trabalhistas. Trocando em miúdos, Dilma tentou explicar como pretendia tocar naquilo que ela própria considerava intocável.

Sim, intocável! Pois é exatamente este o significado da palavra sagrado. Segundo o dicionário Michaelis, “diz-se de uma coisa em que não se deve mexer ou tocar”. E tanto esse dicionário quanto o Houaiss definem sagrado como algo “que não se deve infringir, inviolável”.

Sagrado é o particípio passado do verbo sagrar, do latim sacrare, derivado de sacer, sacra, sacrum, “que não pode ser tocado, sem ser manchado ou sem manchar” (Dicionário Latino-Português, de Francisco Torrinha). Esse adjetivo remonta à raiz indo-europeia *sak‑, “santificar”, que, além de sacer, deu em latim sancire, “sancionar, santificar”, sanctus, “santo”, sacerdos, “sacerdote, aquele que torna sacro”, sacrificare, “sacrificar, tornar sacro, oferecer aos deuses”, e muitas outras palavras.

Na teogonia indo-europeia, essa raiz sempre caminhou junto com outra, *n̥-tag‑, “não tocado”, que nos legou íntegro, inteiro, intacto. Portanto, o que é sagrado, ou santo, deve permanecer íntegro, inteiro, e por isso não pode ser tocado. Diversas religiões, aliás, consideram o contato do corpo humano — especialmente das mãos — com objetos sagrados uma forma de conspurcação.

Nesse sentido, mexer nos direitos “sagrados” dos trabalhadores é uma contradição lógica e etimológica. Talvez apenas mais uma das tantas contradições daquele tão contraditório governo.

A nação que roda sem sair do lugar

Caro Aldo, recentemente, o jornalista David Ribeiro disse em seu blog que “o Brasil não consegue sair de seu estado de colônia nem mesmo etimologicamente, pois, ao longo da história, tem sempre rodado sem sair do lugar”. O que ele quis dizer com isso? Por que o Brasil não sai do estado de colônia nem mesmo etimologicamente? Enfim, o que a etimologia tem a ver com isso?
Obrigado.
Emerson Felipe Lascuola

O colunista citado por Emerson utilizou uma fina imagem para representar a estagnação histórica do nosso país que, no entanto, exige para ser plenamente compreendida um conhecimento mais aprofundado de etimologia. É que a palavra colônia, assim como “colono” e “cultura”, provém do verbo latino colere, “cultivar, cuidar, tratar, preparar, habitar (especialmente a terra)”. Ou seja, colônia é a terra entregue ao colono para ser cultivada. E o colono é aquele que cultiva, isto é, o lavrador. Nos tempos coloniais, as terras brasileiras eram entregues pela coroa portuguesa a nobres que nela vinham morar e instalar plantações. O sentido básico de “cultivar” do verbo colere se estendeu a toda uma família de palavras designativas de cultivo, inclusive em sentido metafórico: agricultura (cultivo do campo — em latim, ager), piscicultura (criação de peixes), cultura (de soja, de bactérias, do intelecto), etc.

Mas qual a relação etimológica, levantada pelo blogueiro, entre a palavra colônia e nosso eterno rodar sem sair do lugar, que nos impede de ser uma grande nação, embora tenhamos tudo para isso? É que colere, descendente da raiz indo-europeia *kwel, significava originalmente “rodar, revolver”. Portanto, ao rodar sem sair do lugar, o Brasil está fazendo o mesmo movimento que o colono faz ao revolver a terra para cultivá-la.

Essa raiz indo-europeia também deu o grego kyklos, “roda, círculo”, que passou via latim ao português ciclo; boukolos, “criador de bois”, que nos deu bucólico; e polos (do indo-europeu *kwolos), “eixo” (em torno do qual a roda gira, donde, por metáfora, temos os polos da Terra). De *kwel também vieram o sânscrito chacra (cada um dos círculos energéticos do nosso corpo), o inglês wheel, “roda”, e o latim collum, “pescoço”, do qual derivaram colo, colete, colar e colarinho.

E por falar em coluna, esta palavra, embora pareça também pertencer à família de colere, tem outra origem: o verbo latino *cellere, “elevar-se”, de que também procedem excelso, excelência e colina.

A origem da palavra “Carnaval”

Já que estamos em pleno Carnaval, é sobre ele que vamos falar hoje.

A etimologia da palavra Carnaval é uma das mais controversas que existem. Assim como a origem dessa festividade remonta à Pré-História e a ritos pagãos da fertilidade, em que se comemorava o início do ano agrícola e pedia-se aos deuses uma boa safra, a origem da palavra também se perde na escuridão do passado. Alguns autores, como Körting (Lateinisches-Romanisches Wörterbuch, “Dicionário Latino-Românico”), sustentam que teria vindo do latim carrus navalis, barco ornamentado que entre os romanos abria desfiles alegóricos como os das Saturnalia e das Bacchanalia, festas em celebração da chegada da primavera e do vinho.

Outros, porém, como Antenor Nascentes, na esteira de vários estudiosos, apontam a origem em carnem levare, “suspender a carne”, isto é, suprimir o consumo desse alimento durante a Quaresma, portanto já no período cristão do Império Romano. Wilhelm Meyer-Lübke, no seu Romanisches Etymologisches Wörterbuch (Dicionário Etimológico Românico), dá essa origem para o francês e o provençal. Policarpo Petrocchi apresenta o baixo latim carnelevamen, depois modificado para carnelevare, como étimo do antigo pisano carnelevare, do napolitano carnolevare, do calabrês carnalevare, do siciliano carnilivari, do vicentino carlavare e do veneziano carlevar. A forma primitiva carnelevare teria sido depois mudada para carnelevale em milanês (1130) e, por etimologia popular, em carne, vale!, isto é, “adeus, carne!”. Essa etimologia é confirmada por Corominas em seu Breve Diccionario Etimológico de la Lengua Castellana. Já o Duden – Das Herkunftswörterbuch, o principal dicionário etimológico do alemão, apresenta ambas as hipóteses, dando, no entanto, mais crédito à segunda.

Em espanhol, a forma paralela carnal teria sido a responsável pela mudança da vogal, de carneval para carnaval. A ideia básica de suspensão do consumo de carne é reforçada por formas paralelas como o espanhol carnestolendas, o catalão carnestoltes (ambas do latim tollere, “retirar”) e o italiano carnelasciare e carnasciare, assim como o romeno lăsatul de carne, todas do latim laxare, “deixar, abandonar”. O próprio latim já apresentava carneprivium, “privação da carne”, o que dá alguma convicção a essa etimologia. De certo, somente que o antecessor do termo em todas as línguas modernas é o italiano carnevale, especialmente em face da grande fama dos carnavais italianos (o de Veneza, principalmente) durante a Renascença.

Fim de férias!

Pois é, as férias estão acabando, é hora de juntar o material escolar e voltar às aulas. Mas por que as férias se chamam férias? E aula, de onde veio?

Você já deve ter percebido a relação entre féria (remuneração que o trabalhador recebe por dia de serviço), férias (período de descanso, em geral de um mês) e feriado (dia de descanso). Aliás, já falei sobre isso em outra postagem. Todas essas palavras provêm do latim feriae, que quer dizer “repouso em louvor dos deuses”. Ou seja, um feriado é um dia sagrado, pois, antigamente, a única razão para cessar o trabalho era de natureza religiosa (os direitos trabalhistas surgiram bem depois). Isso fica claro no inglês holiday, formado de holy, “sagrado, santo”, e day, “dia”. As férias são então uma longa sequência de feriados. Daí por que o inglês diz holidays, no plural.

A palavra latina para o feriado provém da raiz indo-europeia *dhes, que quer dizer “sagrado”. Dessa raiz saiu, por exemplo, o grego theós, “deus”, de teologia e ateu. Da mesma origem são as palavras festa (pois só se faziam festas em honra às divindades), infesto (e seus derivados infestar e infestação) e nefasto. Também dessa raiz vem a palavra latina fanum, “templo”, que deu, profano, profanar e fanático.

Além disso, faziam-se feiras em frente aos templos (feira também provém de feriae), e o lucro que os comerciantes obtinham ao final do dia passou a chamar-se féria (fazer a feira = ganhar o dia). A relação entre feira e religião aparece nas quermesses promovidas pelas igrejas. É que feira é Messe (literalmente, “missa”) em alemão, de onde veio quermesse.

Quanto à aula, sua origem é o latim aula, “pátio, corte, palácio”. Daí porque o poeta áulico assim se chama: era o poeta da corte, artista encarregado de entreter os nobres com canções acompanhadas pela lira (por isso a poesia lírica tem esse nome). De pátio, aula passou a significar salão, o local das festas da corte, e deste, por metonímia, o palácio e a própria corte. Mas a aula era também o salão ou auditório em que os mestres ensinavam. Com isso, aula passou em latim a significar também “sala de aula”. Por outro lado, a aula propriamente dita, isto é, a exposição oral que um professor faz aos alunos, chamava-se classis. Assim, o que chamamos em português de aula se diz classe em francês e italiano, class em inglês, Klasse em alemão, clase em espanhol… (esquisitices da língua portuguesa). Ao mesmo tempo, aula quer dizer sala de aula em espanhol e italiano. Enquanto isso, classe em português passou a significar “sala de aula”. Em resumo, o que os espanhóis e italianos chamam de classe nós chamamos de aula, e o que eles chamam de aula nós chamamos de classe. Que confusão!

Bom, é isso aí. Para quem estuda, bom final de férias e uma feliz volta às aulas!

A plaga e a praia

Nesse verão dos infernos, que ainda nem começou, todo mundo sonha em estar numa praia, afinal o calor excessivo provocado pelas mudanças climáticas é uma praga, né? Mas o que praga tem a ver com praia, além da semelhança fonética? Na verdade, nada, a não ser uma proximidade etimológica fortuita. É que praga, assim como chaga, veio do latim plāga (com a longo), que quer dizer “golpe, pancada” e, por metonímia, “ferida causada por um golpe”. Já praia, bem como plaga, vem de plaga (com a breve), que significava originalmente uma extensão de terra ou mesmo qualquer superfície estendida, como uma rede de pesca (aliás, esta era uma das acepções de plaga em latim).

Uma plaga é um lugar, que pode ser desde um terreno até um país (quem já não ouviu a expressão “estas plagas” para referir-se ao nosso Brasil?). Mas a linguagem poética destinou esse termo sobretudo aos lugares aprazíveis, tanto que, na língua occitana ou provençal, falada no sul da França, o cognato plaia passou a designar especificamente a extensão de areia junto ao mar, isto é, a praia. Nossa palavra, por sinal, veio diretamente do provençal, assim como o francês plage e o espanhol playa.

Enquanto a praga destrói as plantações e a chaga é uma ferida aberta e dolorosa, a praia é uma plaga deveras agradável, especialmente em dias de calor. E tanto a palavra praga quanto chaga podem ser usadas em linguagem figurada, para denotar um infortúnio, como fiz com a primeira na frase inicial deste artigo. Por sinal, eu poderia ter dito que esse calor anormal é uma chaga, infelizmente produzida por nós mesmos, seres humanos.

Então, já que o estrago está feito e parece não haver vontade política de consertá-lo, o jeito é fazer o que diz o refrão daquela velha canção: “Vamos a la playa, oh oh oh oh oh”.

Palavras que se usam numa única expressão

Vocês já devem ter notado que o português tem várias palavras ou expressões que se usam num único contexto e por isso mesmo estão dicionarizadas junto a esse contexto, não é?

Palavras como tona, toa, léu, dentre outras, só ocorrem em expressões como “vir à tona”, “estar à toa”, “andar ao léu”… Além dessas, temos “à queima-roupa”, “por um triz”, “em riste” (referindo-se unicamente a “dedo”), “breca” (só nas expressões “com a breca”, hoje desusada, e “levado da breca”), “caramba” (só em “pra caramba” e na exclamação “Caramba!”), “de soslaio”, “às pressas”, “de esguelha”, “de supetão”, “às arrascas”, “tintim por tintim”, além dos antiquados “à socapa”, “à sorrelfa”, “sem tir-te nem guar-te”, “de truz”, “à mancheia” e “aos borbotões”.

Muitas dessas palavras eram de uso corrente no passado (por exemplo, truz significa “ruído de queda, estrondo”), mas caíram em desuso, ficando cristalizadas apenas em expressões que usamos no dia a dia, as mais das vezes sem sequer suspeitar de seu significado ou sua origem.

Tona é a superfície da água, logo “vir à tona” é emergir até a superfície. Só que (quase) ninguém diz: “Tenho medo de me afogar, por isso não mergulho, só fico boiando na tona da piscina”. Uma curiosidade: tona, do latim tunna, significava originalmente “casca de árvore, pele fina”; foi daí que surgiu a metáfora de designar a superfície da água de tona.

Do mesmo modo, toa, do inglês tow, era a corda que amarrava um navio a outro; hoje, “andar à toa” é “andar a esmo, sem destino”. Quem está à toa na vida, como na canção de Chico Buarque, está sem fazer nada, sem propósito; quem diz coisas à toa é porque não tem o que dizer.

E léu? Vinda do occitano, língua do sul da França que foi muito importante na Idade Média e legou muitos vocábulos ao português, essa palavra quer dizer “ócio”. “Estar ou andar ao léu” é não ter nada para fazer (quem me dera!).

Queima-roupa, palavra composta que só ocorre em “atirar à queima-roupa” e, metaforicamente, em “dizer ou perguntar à queima-roupa”, é autoexplicativo: quando se atira em alguém de muito perto, a pólvora da bala queima a roupa da vítima. Logo, “à queima-roupa” é usado em diversas situações em que se age agressivamente e sem rodeios.

E por falar em atirar, quando se diz que “a bala passou por um triz” ou que “Fulano escapou por um triz”, a ideia é que faltou muito pouco para que algo muito ruim acontecesse. Triz, do grego thrix, “fio de cabelo”, é um quase nada. Um fio de cabelo é a distância entre a trajetória da bala e o corpo do alvo.

Já que falamos em triz, vamos ao truz. Como disse mais acima, trata-se de uma onomatopeia para ruído de golpe ou queda. Só que “pessoa de truz” é pessoa notável, distinta, de valor. Será que pessoas assim fazem esse ruído?

Na Idade Média, riste, do espanhol ristre, era o suporte em que os cavaleiros repousavam a lança em posição horizontal. Daí o “dedo em riste”, uma analogia com a posição horizontal da lança e seu formato retilíneo e agudo. Hoje, quando não há mais cavaleiros nem justas medievais em que se usam lanças, o significado original de riste se perdeu.

Breca, “cãibra”, passou a ser uma das denominações do Diabo (como cão, tinhoso, cramulhão, etc.). Daí que a exclamação “Com a breca!” é equivalente a “Com os diabos!” e subentende a imprecação “Vá com os diabos, vá para o Inferno!”. Pela mesma razão, uma criança “levada da breca” é um pimpolho cuja alma foi levada pelo Diabo, portanto uma criança endiabrada.

Caramba, de origem sânscrita, mas que nos chegou pelo espanhol, denota admiração, mas passou a ser usado como eufemismo para um termo chulo de sonoridade parecida, o qual originalmente era apenas uma estaca ou mastro de navio, que, por sua forma ereta, se tornou metáfora para “pênis”.

Também  do espanhol, soslaio é “posição oblíqua”, donde “olhar de soslaio” é “olhar de esguelha”, outra palavra de pouco e restrito uso.

A expressão “de supetão” contém a palavra de uso único supetão, corruptela de subitâneo, derivado de súbito; por sinal, paralelamente a súbito, temos em português os adjetivos  populares súpeto e súpito.

Arrascas, da expressão “às arrascas”, vem do verbo espanhol arrascar, forma popular de rascar, “raspar” (daí falar-se de uma voz rascante). Fazer algo às arrascas é fazer à força, como que raspando.

Tintim é onomatopaico e representa o ruído de copos de vidro colidindo — é por isso que, ao brindarmos, dizemos “Tintim!”. Mas “tintim por tintim” é “nos mínimos detalhes”; nesse caso, tintim é sinônimo de detalhe, pormenor.

Bem, faltou falar daquelas expressões que hoje não se usam mais, mas com as quais nos deparamos ao ler os clássicos. “À socapa” significa “às escondidas” (por sinal, escondidas só se usa nessa expressão, assim como pressas em “às pressas”, cujo termo usual é pressa). Sua origem é a expressão sob capa, isto é, oculto sob uma capa. Já “à sorrelfa” remete a sorrelfa, “disfarce para enganar”, portanto o sentido é o mesmo de socapa.

“Sem tir-te nem guar-te” quer dizer “sem cerimônia, repentinamente, sem aviso prévio”. Trata-se de uma corruptela da antiga expressão “sem tira-te nem guarda-te”, isto é, sem que a pessoa pudesse tirar-se ou guardar-se, logo proteger-se de algum ataque.

Mancheia vem de “mão cheia, punhado”. Quem lembra destes versos de Castro Alves: “Oh! Bendito o que semeia livros, / livros à mancheia. / E manda o povo pensar! / O livro caindo n’alma / É germe que faz a palma, / É chuva que faz o mar.”? Talvez poucos lembrem, já que livros hoje em dia têm tido pouca chance de germinar palmas e, por conseguinte, fazer pensar, não é?

Mas “livros à mancheia” é o mesmo que “livros aos borbotões”. E borbotão é um forte jorro d’água, como o de uma grande cascata. A metáfora com a ideia de “grande quantidade” é óbvia, não? É uma pena que essas expressões, que contam séculos de história da língua, estejam morrendo (algumas já estão mortas e sepultadas).

Qual é o correto: pulso ou punho?

Certa vez, tive uma dor no pulso, provavelmente causada pelo uso do computador, e procurei um ortopedista, que me corrigiu dizendo que eu não tinha dor no pulso e sim no punho, pois pulso é a pulsação cardíaca, que antigamente se media apalpando o punho (alguns médicos ainda fazem isso hoje).

Respeito muito a terminologia médica, embora ainda não tenha assimilado muito bem o porquê de certas mudanças, como a de rótula para patela ou de aparelho digestivo para sistema digestório, mas isso é outra conversa. Também compreendo que os médicos não queiram confundir o pulso, no sentido de pulsação, com o punho, parte do antebraço que se liga à mão. Mas o fato é que eu não estava errado ao chamar o punho de pulso, pois, primeiramente, os dicionários efetivamente registram no verbete pulso a acepção de “parte do antebraço”. Em segundo lugar, quase toda designação tem uma origem metafórica ou metonímica. Assim, o pulso enquanto parte do corpo tem esse nome justamente porque é nele que os médicos verificam a pulsação cardíaca. Logo, tomar o pulso passou a significar tanto “tomar, pegar o punho do paciente” quanto “tomar (isto é, examinar) a pulsação cardíaca”. Na verdade, faz-se o primeiro para fazer o segundo. Se devêssemos rejeitar a denominação pulso enquanto parte do corpo por ser uma metonímia, então também deveríamos rejeitar punho, já que vem do latim pugnus, que significa “soco” e deriva do verbo pungere, “bater”. Aliás, daí vêm os verbos impugnar, repugnar e propugnar, bem como pungir, pungente e punção. Por fim, teríamos de renomear o relógio de pulso para relógio de punho. Será que pegaria?

Espera, expectativa e esperança

O verbo esperar tem vários significados em português. Pode-se esperar um ônibus, uma promoção no emprego ou um milagre. A cada um dos significados desse verbo corresponde um substantivo diferente. No caso do ônibus, temos espera; no da promoção, expectativa; no do milagre, esperança.

O verbo esperar proveio do latim sperare, derivado de spes, “esperança”, e teve como derivados espera e esperança. Já expectativa veio do latim expectare ou exspectare, formado de ex‑, “para fora”, e spectare, “assistir, olhar” (daí, os nossos espectador e espetáculo). Significava “olhar de longe, de fora”, mas podia significar também “olhar para fora”, como quando se olha pela janela à espera de alguém.

De fato, o latim fazia distinção entre sperare, “ter esperança”, e exspectare, “ter expectativa” ou mesmo “aguardar”. Essa distinção se conservou em algumas línguas irmãs do português, como o francês espérer x attendre e o italiano sperare x aspettare. As línguas germânicas também fazem tal distinção: por exemplo, o inglês to wait x to expect x to hope.

A diferença entre espera, expectativa e esperança é o grau de certeza que temos de que algo aconteça. A espera se dá por algo ou alguém que temos certeza de que virá, como o ônibus, por exemplo. A expectativa se refere a algo provável, mas não totalmente certo, como a promoção no emprego. Finalmente, a esperança recai sobre algo bastante improvável, como um milagre ou o fim da corrupção e da impunidade no Brasil.

Em muitas línguas, os verbos referentes a “esperar” estão semanticamente ligados ao ato de olhar, como em exspectare, derivado de spectare. O nosso aguardar provém de um verbo germânico *wardon, que queria dizer justamente “olhar, vigiar”. Tanto que “olhar” é regarder em francês e guardare em italiano. E, em português, guardar algo é manter sob vigilância (provavelmente para que não suma ou não roubem). Por essa mesma razão, o policial que vigia as ruas é chamado de guarda.

Inflação, carestia, preços altos… Mas de onde vêm as palavras “caro”, “preço” e “inflação”?

Hoje em dia, tudo está muito caro, efeito nefasto da inflação, que corrói nossa renda e afeta sobretudo os mais pobres. Mas qual a origem da palavra caro? Em latim, carus, de onde veio a palavra portuguesa, significava em primeiro lugar “querido, amado”. É daí que vêm os nossos “caro(a) amigo(a)” e “meu/minha caro(a)”, com que nos dirigimos a pessoas queridas. Daí também vêm caridade, carícia e acariciar, estes dois últimos por via do italiano. O termo latino se originou de uma raiz indo-europeia *kā‑, que significava “gostar, amar, desejar”. Ela está presente, por exemplo, no sânscrito kama, “amor”, que aparece no título do Kama Sutra, literalmente “Livro do Amor” (sutra, “livro” em sânscrito, é da mesma raiz de sutura, pois os livros eram feitos de folhas de pergaminho costuradas umas às outras).

Mas, como aquilo ou aqueles que amamos têm alto valor para nós, o latim carus também passou a significar “de alto valor ou preço”, como os gêneros de primeira necessidade atualmente no Brasil. Assim, caro hoje se refere não só ao valor moral ou afetivo que damos às coisas e pessoas como também ao custo monetário delas (das coisas, não das pessoas — se bem que há pessoas que também nos custam caro).

E se caro tem a ver com “valor, preço”, é por isso que temos apreço pelo que nos é caro, isto é, precioso. Em latim, pretium era o preço que se pagava por algo. Assim, pretiosus era “precioso” não só no sentido de “valioso”, mas também no de “dispendioso”. Hoje diríamos que o arroz e o feijão são muito preciosos, né? Consequentemente, appretiare, não era “apreciar”, mas “apreçar, avaliar, estabelecer o preço”. Mais uma vez, como tudo que tem valor tem alto preço (pelo menos entre os bens materiais), passou-se a usar os termos relativos a preço com sentido moral: apreciar uma comida, ter uma amizade preciosa, ter apreço por alguém, e assim por diante.

Mas começamos falando de inflação. Essa palavra, do latim inflatio, deriva de inflare, “inflar, inchar”, formado do prefixo in‑, “dentro”, e do verbo flare, “soprar”, que também ocorre em sufflare, que deu em português soprar e insuflar, e em afflare, “exalar”, que deu o nosso achar. Inflare significa “soprar dentro”, como se faz ao encher de ar uma bexiga de borracha soprando dentro dela.

Em resumo, inflação é um inchaço, no caso, dos preços. Trata-se de um termo cunhado pelos economistas. Mas também existe a inflação cósmica, expressão proposta pelo astrofísico e cosmólogo americano Alan Guth para denominar uma expansão exponencial que o Universo teria sofrido nos primeiros tempos de sua existência.

Tenho muito apreço por assuntos como cosmologia, mas a inflação dos preços não me é nada cara.

A origem da palavra “dinheiro”

A Páscoa passou, e nessa data os cristãos rememoram a traição de Judas, a prisão de Jesus, seu julgamento e execução na cruz, além de sua suposta ressurreição. Uma das informações sempre veiculadas na narrativa sobre os últimos dias do Cristo é que ele foi traído pela quantia de 30 dinheiros, o que causa certa estranheza a algumas pessoas, visto que dinheiro não é unidade monetária, mas a própria moeda. Se perguntássemos qual era o dinheiro em circulação na Roma antiga e alguém respondesse “dinheiro”, acharíamos que a pessoa não entendeu a pergunta ou está de gozação, mas é isso mesmo: o dinheiro em circulação em Roma era o dinheiro — ou melhor, o denário.

Na verdade, a unidade monetária romana era o asse (em latim as, genitivo assis). Por sinal, é daí que vem o nosso ás do baralho. Esse sistema monetário tinha base duodecimal, e cada parte ou fração se chamava uncia, origem da nossa onça (não o felino selvagem, bem entendido, mas a unidade de medida ainda utilizada nos países anglo-saxônicos). Uncia deriva de unus, “um” em latim.

Mas e o denário? Em Roma, denarius (subentendido numus, “dinheiro, numerário”) era uma moeda de dez asses. É que denarius provém de decem, “dez” em latim. Portanto, Judas Iscariotes delatou Jesus Cristo por 30 denários ou 300 asses. Só não me perguntem se essa quantia era muito ou pouco dinheiro; não faço a menor ideia do poder de compra de um asse romano, e acho que nenhum economista seria capaz de fazer a conversão desse valor para o nosso real brasileiro atual.

De todo modo, os apóstolos eram pobres, e certamente uma soma como 30 dinheiros, mesmo que valesse apenas uns 300 reais, já era muito, especialmente para um apóstolo ambicioso e inescrupuloso, capaz de trair seu mestre por dinheiro.

Pelo menos, no final Judas se arrependeu de sua vileza e se suicidou de remorso.

Uma curiosidade é que a palavra denarius produziu uma unidade monetária, o dinar, muito usado em vários países, como Argélia, Iraque, Jordânia, Líbia, Tunísia e Sérvia. O nome dinar saiu do latim e passou pelo siríaco dinara, depois pelo árabe دينار (dinar), até chegar ao português. E denarius também resultou no espanhol dinero e no italiano denaro, além do antigo francês denier, hoje substituído por argent, literalmente “prata”.