Jacaré fêmeo e cobra macha

Em 2013, quando eu mantinha um blog no portal da extinta revista Língua Portuguesa, o leitor Jota Paschoal me enviou a seguinte pergunta: “Se o adjetivo segue o gênero do substantivo (menina bonita, rapaz malvado), então é correto dizermos ‘jacaré fêmeo’ e ‘cobra macha’?”. Como outro leitor, Patrick Medeiros, me pede agora para republicar a resposta, aqui vai.

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Como na canção Macha, Fêmeo, de Arnaldo Antunes, os adjetivos “macho” e “fêmeo” admitem flexão de gênero e número. No dicionário Houaiss, “macho” é definido como “relativo ou próprio do sexo masculino”, e “fêmeo” (assim mesmo, no masculino, como costuma ser a entrada de todos os adjetivos no dicionário) define-se como “relativo a fêmea ou a mulher” e também “diz-se de qualquer objeto que se ajusta a outro, que nele penetra (o macho)” e exemplifica com “tomada fêmea” (mas poderíamos ter também “plugue fêmeo”).

A estranheza se dá pela confusão que por vezes se faz entre gênero gramatical e sexo biológico. É o caso do adjetivo “grávido”, que parece incoerente com o fato de que somente fêmeas engravidam. No entanto, nesse caso é possível pensar em machos grávidos (por exemplo, o cavalo-marinho é uma espécie de peixe em que é o macho quem gesta as ovas) ou empregar o termo em sentido metafórico: muitos maridos se dizem grávidos enquanto suas esposas é que esperam o bebê. Há até uma peça teatral em cartaz atualmente com esse título. Grávido também é o nome de uma canção que Gonzaguinha compôs durante a gestação de sua mulher.

Mas voltando à questão levantada pelo amigo Jota Paschoal, por que dizemos “jacaré-fêmea” e “cobra-macho”? Como se sabe, os nomes de alguns animais são substantivos epicenos ou comuns de dois gêneros (embora algumas pessoas erradamente façam o feminino de “jacaré” como “jacaroa”), o que torna necessário lançar mão de um expediente morfológico para distinguir os gêneros. Esse expediente consiste em formar uma palavra composta com os substantivos “macho” e “fêmea”. E aí está a explicação de por que não se diz “jacaré fêmeo” ou “cobra macha”: é que “macho” e “fêmea” neste caso são substantivos e não adjetivos. É por isso também que tais palavras se escrevem com hífen.

Ou seja, “jacaré-fêmea” é a fêmea do jacaré; “cobra-macho” é o macho da cobra, e assim por diante. Entretanto, não está errado dizer “este jacaré é fêmeo” ou “esta cobra é macha”. Só que, dado o conflito entre gênero e sexo acima mencionado, prefere-se dizer “este jacaré é (uma) fêmea” e “esta cobra é (um) macho”. Em outras palavras, prefere-se empregar o substantivo no lugar do adjetivo. Isso se aplica até a “mulher-macho”, como na canção eternizada por Luiz Gonzaga.