Viver eternamente: você quer?

Pesquisadores do Vale do Silício, na Califórnia, estudam maneiras de prolongar indefinidamente a vida humana (confira em http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2017/09/troca-de-orgaos-e-restauracao-de-dna-podem-ser-chave-da-longevidade.html). Numa das frentes, eles tentam eliminar os fatores que provocam o envelhecimento e as doenças degenerativas e, com isso, nos manter infinitamente jovens. Como a morte é o desfecho do envelhecimento (nosso organismo é geneticamente programado para degenerar-se progressivamente até parar de funcionar), eliminar tais fatores significa em tese impedir a morte. Ou seja, promover a vida eterna.

Outra frente de pesquisa pretende, por meio da inteligência artificial, “salvar” numa espécie de backup a consciência humana em robôs para depois transplantá-la no cérebro de um clone da pessoa morta. Com isso, o falecido voltaria à vida num novo corpo igual ao que já teve e com todas as suas memórias preservadas, ou seja, com o seu eu original instalado em um cérebro novinho em folha.

Todas essas pesquisas parecem promissoras à primeira vista, afinal um dos grandes sonhos do ser humano é a imortalidade. Tanto que, se lançássemos no ar a pergunta “Quem gostaria de viver para sempre?”, quase todos levantariam a mão. Não é à toa que as religiões que têm mais seguidores são as que prometem a vida eterna após a morte ou então a reencarnação do espírito num novo corpo.

Mas, analisando a fundo essa questão, chego à conclusão de que esses pesquisadores não passam de uns nerds sem nenhuma sensibilidade social ou capacidade de reflexão filosófica. Senão, vejamos.

O planeta está superpovoado, e a população humana segue crescendo (seremos 8 bilhões de habitantes em 2030) a despeito da escassez e do esgotamento dos recursos naturais. No ritmo atual, já é possível prever um futuro próximo sombrio em termos de nossa sobrevivência como espécie. Aumentar a longevidade das pessoas só contribuiria para agravar o problema. Aliás, um dos impasses criados pelo contínuo envelhecimento da população é o colapso da previdência social, problema que já estamos vivenciando no Brasil. Como seria sustentar um contingente tão grande de idosos?

Bem, mas a ideia é que as pessoas possam viver 150, 200 anos sem ficar velhas, certo? Portanto, é de se imaginar que elas começarão a trabalhar aos 20 anos ou antes, como atualmente, e só se aposentarão por volta dos 120, 130 anos. Você topa?

Se você ama o que faz, beleza! Mas, será que a maioria das pessoas gostaria de trabalhar 100 anos para conquistar o direito ao descanso? Mesmo pessoas altamente criativas, como os artistas, acabam sentindo um certo esgotamento da inspiração com o passar dos anos. Será que, se Beethoven estivesse vivo até hoje, suas atuais composições ainda teriam a mesma qualidade? E será que ainda fariam sucesso?

Esse é o segundo ponto: a sociedade evolui não porque as pessoas evoluem, mas porque elas morrem e dão lugar a novas pessoas, com novas ideias. Uma humanidade repleta de indivíduos com mais de 100 anos seria ainda mais conservadora do que já é, e novas ideias teriam muito mais dificuldade de ser adotadas. Por sinal, o conflito de gerações seria muito mais aguerrido do que é hoje, em que pais e filhos com uma diferença de cerca de 30 anos de idade já não se entendem.

Outra coisa: imagine que alguém que nasceu no século XVIII, à época da Inconfidência Mineira, estivesse vivo ainda hoje. Quantas mudanças no mundo essa pessoa teria visto! Ela teria nascido num Brasil colônia, assistido à formação e à queda do império, e a todas as mazelas de nossa vida republicana desde Deodoro até Temer. Será que ela se adaptaria a todas as mudanças por que o mundo passou? Nascer num mundo em que o único meio de transporte terrestre era o cavalo e em que só havia luz de velas e hoje ter de lidar com internet e realidade virtual, quem conseguiria, se hoje, aos trinta e poucos anos de idade, já nos sentimos antiquados e obsoletos diante das novas tecnologias?

Além disso, a maior parte da população humana é pobre ou miserável. Seria agradável viver na penúria por várias décadas a mais? Ou será que, como sempre, só os ricos terão o privilégio da longevidade turbinada?

Outra pergunta que me ocorre: qual teria de ser o tamanho da nossa memória para vivermos tantos séculos? Embora a expectativa de vida venha aumentando ano após ano, e vivamos hoje em média muito mais do que há cem anos, o fato é que estamos programados por nossa própria biologia para viver cerca de 80 a 90 anos. Tanto hoje quanto séculos atrás, raríssimas pessoas romperam essa barreira etária. E aos 80 anos, muitas de nossas memórias já se apagaram. Se pudéssemos viver 300 anos com a mesma capacidade de armazenamento de dados na mente que temos hoje, sequer lembraríamos de quanto tempo já teríamos vivido. Ou seja, de que adianta viver muito e não lembrar da maioria das coisas que vivemos?

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Mas imagine agora que você foi contemplado com a imortalidade. Sim, a imortalidade! Aconteça o que acontecer, você jamais morrerá. Isso parece o sonho de muitos incautos, mas, na realidade, jamais morrer tem mais a ver com pesadelo. O fato é que viver cansa. Mesmo que tivéssemos um corpo eternamente jovem e saudável, após algum tempo, o mundo se tornaria enfadonho em sua mesmice, em sua constante evolução na qual, paradoxalmente, as aparências mudam o tempo todo mas a essência é sempre a mesma. Basta estudar a história para ver que, na novela da humanidade, muda o cenário, mudam os atores, mas o enredo é sempre o mesmo. E é sempre um enredo farsesco e barato, indigno de um Nobel de literatura. Como diria o Leopardo, personagem do romance homônimo de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, “tudo muda o tempo todo para que, no fundo, nada mude”.

Disse certa vez o poeta mexicano Octavio Paz, “sabermo-nos mortais nos condena à cultura”. Se imortais fôssemos, jamais teríamos construído as pirâmides do Egito ou o Taj Mahal, jamais teríamos escrito livros, pintado telas, conquistado territórios, edificado nações, enviado sondas ao espaço, amado e odiado – numa palavra, jamais teríamos deixado qualquer vestígio de nossa existência, pois para um imortal tudo pode ser adiado indefinidamente, nada é urgente, criar não é urgente, amar não é urgente, viver não é urgente. Eu não estaria aqui escrevendo estas palavras se tivesse a eternidade toda pela frente. Poderia me dedicar a todas as carreiras que quisesse e realizar uma grande obra em cada uma delas, mas não agora, não neste milênio, pra que a pressa? Afinal, a eternidade dá uma preguiça!

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Mas, sobretudo, viver para sempre é impossível porque nada durará para sempre, nem o próprio Universo. Dentro de mais alguns séculos, se continuarmos nesse andar da carruagem, a Terra será um planeta inóspito e inabitável, e por nossa própria culpa. Claro, até lá já teremos desenvolvido tecnologia para nos mudarmos para outro planeta habitável, onde reiniciaremos nossa devastação. Se esse planeta for muito longínquo do nosso atual habitat, não importa: sendo imortais, chegaríamos vivos ao destino após viajar milhões de anos-luz. O que, viajando à velocidade da luz – caso isso fosse possível sem nos desintegrarmos –, representaria uma viagem de alguns milhões de anos. O problema é encontrar o que fazer para passar o tempo durante a travessia!

O fato é que, mais cedo ou mais tarde, teríamos de enfrentar o fim. Em qualquer planeta que estejamos, um dia a estrela que ele orbita se expandirá até engolir tudo à sua volta para ao final explodir como uma supernova e quem sabe virar um enorme buraco negro do qual nada escapa – nem a consciência. Que triste fim teríamos, não?

Por isso, a vida eterna apregoada pelas religiões e agora também pela ciência é um prêmio a que só os tolos anseiam; para mim, jamais poder cerrar os olhos pela última vez é o pior dos castigos. Não sei quando vou morrer, mas a consciência de que isso acontecerá um dia, longe de ser um peso, é para mim um alento.

Tudo na natureza nasce, vive por um tempo e morre – inclusive ela própria. E mamãe natureza sempre tem razão, ela sempre faz tudo certo. Todas as vezes que o homem resolve subverter as leis naturais para satisfazer seus caprichos, ele se dá mal (taí o aquecimento global que não me deixa mentir). Portanto, viver algumas décadas, realizar o melhor que pudermos no tempo que tivermos, deixar um mundo melhor para quem vier depois de nós, esse é o melhor dos mundos – o resto, sonho de tolos e de nerds.

7 comentários sobre “Viver eternamente: você quer?

  1. Caro Aldo, ser jovem é muito bom. Se pudesse voltar no tempo, com certeza faria isso. Eu já penso que ser “jovem e saudável” é o melhor dos mundos. Não acredito que esses cientistas conseguirão esse milagre. Só Deus pode fazer isso. É questão de fé. Ser um “Dorian Gray” seria fantástico. Depois de certa idade, vem o cansaço, o desânimo, a sonolência, tudo que atrapalha. Quantas coisas deixam de ser feitas por causa da velhice e das doenças. Quando se é jovem, nada disso acontece.

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  2. Sem dúvida, Patrick, ser jovem é muito bom, principalmente quando se tem um corpo jovem e uma mente madura. É maravilhoso chegar aos 70, 80 anos com boa saúde e disposição. Sou a favor de viver melhor, mas não de viver mais. Acho que a nossa expectativa de vida atual é mais do que suficiente para as nossas necessidades. Principalmente se pensarmos que a maioria das pessoas passa uma vida inteira sem realizar grandes coisas.

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  3. Amigos, a questão não é se será possível viver eternamente, a questão é quando.

    Fico perplexo com esses pensamentos arcaicos que retraem nosso desenvolvimento.

    Dizer que chegaremos em 8 bilhões de pessoas, e que acabaram os recursos naturais, esses argumentos retardam nosso desenvolvimento tecnológico.

    Quando tivermos tal tecnologia haverá pessoas que realmente irão querer viver mais, assim como terá pessoas que não iram. Existe a cirurgia plástica atualmente acessível a todos, mas nem todo mundo investe em cirurgia plástica.

    A questão da superpopulação e da escassez de recursos naturais elas só existem porque isso é financeiramente vantajoso para uma meia dúzia de poderosos que governam o mundo, e isso seria facilmente resolvido com planejamento. Como?
    Já se sabe a mais de 30 anos que uma hora o planeta iria ficar cheio, e os recursos iriam se tornar escassos, e o que fizeram? Pouco ou quase nada!

    Deveria ter leis de incentivo para ter apenas um ou dois filhos e no Brasil o que foi feito?
    Tenha mais filhos e ganhe mais bolsa família. Tá aí o resultado, população só aumentando…

    Ter a tecnologia de longitividade seria ótimo, quem quer viver mais viva, quem não quer tudo bem.

    A questão da previdência, aposentadoria: se vc vai viver jovem por muitos anos, significa que você pode trabalhar mais por muitos anos mesmo, logo não vai se aposentar tão cedo. Para que aposentar uma pessoa que tem plena capacidade de trabalhar? Acho que isso seria cultivar preguiçoso.

    Acho fantástico a ideia de viver mais e criar tantas tecnologias até onde conseguirmos.

    Esses argumentos contra tecnologia são uma tremenda besteira.
    O homem inventou o martelo, você pode usar para matar ou pode usar para construir. Inventou a bomba para facilitar o trabalho nas minas mas se você vai usar para matar ou para abrir caixa eletrônico já é um problema seu e que aguente as consequências.

    Para finalizar e deixar meu total apoio a ciência e respeito a religião, lembrando que fé é uma coisa e religião é outra.

    Pense bem: “deus sabe de tudo, ele é tudo correto?”
    Se ele permitiu que fosse criado o avião, assim foi feito.

    Se ele permitiu que pudéssemos aumentar nossa longitividade assim foi feito.

    Se nós conseguirmos criar armas laser, teletransporte, imortalidade, entre outras maravilhas tecnológicas, pode ter certeza que ele permitiu.

    Cabe a nós nos organizarmos para viver melhor com essas tecnologias que estão por vir, que na verdade já eram para estar ativas salvando a vida de muitas pessoas, o problema é que muita gente fica colocando empecilhos e trava toda essa parte de estudo e de pesquisa.

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  4. Gostei muito do texto. De todos os argumentos que você apresenta, o que mais me sensibiliza é o de que a imortalidade vai de encontro à Natureza. Somos seres vivos porque iremos morrer, e não há como escapar a essa elementar evidência.

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